sábado, setembro 16, 2006


121 com 149: o 11 de setembro se refez no ‘Canadá’
Renata Nóbrega

Já pensando em desistir do acontecimento que, possivelmente, movimentaria a valer um dos eixos centrais e mais movimentados do Recife – avenida Conde da Boa Vista, nº 149 – resolvo telefonar para saber. Ao telefone, ouvi: – Venha, venha, atrasou e ainda não começaram a rolar as projeções. Pois é, devo confessar que, além do cansaço ordinário de um final de segunda-feira, lembrei que as projeções estavam agendadas para 18:00, daquele dia 11 de setembro de 2006.

Com a estimulante notícia, por volta das 19:15min, fiz uso do primeiro retorno que se apresentou – eu estava em outro grande eixo, que liga o centro da cidade à zona norte, na avenida Norte, mais precisamente na metade de sua extensão.

Nos 15 minutos que se seguiram, pensei um pouco sobre as minhas expectativas quanto ao que se me aproximava: ‘Cinema Vertical nº 1: Edifício Canadá’. Não restava dúvida de que aquela data em especial remetia a um evento, por assim dizer, cinematográfico e, indiscutivelmente, de abalos verticais. Em todo caso, logo me desliguei dessa idéia. Apesar de ser outro 11 de setembro, cinematográfico e vertical, tomei outras bifurcações digressivas.

A excursão mental agora pedia parada a qualquer dos coletivos que faziam o trecho subúrbio-cidade e chegava, antes mesmo de minha matéria, ao ponto de projeção. Antes do telefonema, eu não sabia exatamente em que altura da avenida se daria o evento, mas fui informada que seria quase defronte à agência do Bradesco S/A. Agora perfeitamente localizada, não foi problema para que o meu passeio mental, que tomara um ‘Avenida Norte (Macaxeira)’, pedisse parada nas imediações da Praça Adolfo Cirne – minha velha conhecida – e seguisse ao local do Cinema Vertical, até então imaginário, que ficaria a duas ruas (paralelas) dali... Mas, antes mesmo de pensar um pouco mais quanto às minhas ditas expectativas em relação ao trabalho, as quais certamente restariam atendidas se a verticalidade estivesse para além da simples referência à morfologia do espaço urbano, um susto! O sinal fechou de repente e, à velocidade da luz, eu já estava (matéria e mente) prestes a adentrar na Rua da União, perpendicular à avenida Conde da Boa Vista e também endereço do acesso posterior do MAMAM, onde estacionei.

De recepção, uma quase desanimadora e fina garoa, precipitação típica de final de tarde e início de noite na localidade quente e úmida em que vivemos. Os transeuntes, que naquele horário já se deslocam com certa agilidade para alcançarem as paradas de ônibus o mais rápido possível, com o batismo da natureza sobre as suas cabeças, buscavam seus destinos com uma obstinação ainda maior. Enquanto isso, a despeito da chuva, segui calmamente em busca de mais um feito das artes visuais contemporâneas do SPA 2006.

Já ao alcançar a “via pública urbana ampla” (para não repetir o vocábulo avenida), deparei-me com quatro telas projetadas na fachada lateral de um edifício, com imagens pouco definidas. Talvez pouco definidas apenas para mim que, não obstante estivesse ali realmente para ver aquele trabalho e, digamos, ‘imergir’, a princípio me pus a procurar os conhecidos que, ao telefone, informaram da existência de uma marquise no prédio ao lado daquele onde estavam as imagens. Cruzei o tráfego e adentrei no edifício nº 121. Subi dois lances de escada e ao chegar no apartamento 103 soube que era preferível assistir a tudo da rua mesmo.

Nos segundos que me reconduziram ao espaço público, cá com os meus botões (a menos ou a mais), percebi que eu já estava perdendo o ocorrido e, o que é pior, o ocorrido de lá de baixo, da avenida por onde eu cruzara. De fato, não me importava ali apenas a imagem, pois, concluímos eu e os tais botões, as minhas expectativas se encontravam também e principalmente nas discussões acerca das relações arte/público e arte pública.

Posicionei-me sob a marquise oposta e pus-me a ‘imergir’. Aliás, acrescente-se, “Super Útil” era o nome fantasia do estabelecimento comercial de cuja marquise me utilizei.
Permaneci por cerca de 40 minutos e me foi quase impossível despertar da imersão. Se de início as imagens pareceram soltas e o qualificador ‘vertical’ ficava restrito ao suporte utilizado na projeção, no desenrolar dos acontecimentos, a multiplicidade sensorial foi apontando alguns dos muitos caminhos.

Pessoas que, no dia a dia, estão ali no mesmo horário e, em geral, com a vista embaçada pelo cotidiano, espantavam-se com o ocorrido. De súbito, uma senhora de seus quarenta e poucos expressou o pensamento em voz alta: – Eita, é telão é?!. Um casal de mesma faixa etária revezava entre atender visualmente os sons de ônibus que se aproximavam (no receio, acredito, de perderem sua condução, que vinha do lado contrário ao do cinema) e curtir uma visão do inusitado. Alguém, quando apareceram imagens um tanto incendiárias nas telas, gritou: – Fogo! Fogo!

Ao longo do tempo, divertindo-me com esses espantos de quebra do cotidiano daquelas pessoas, fui eu também tomada pelas imagens que, ‘eureca’, tinham um fio condutor, e ele era também vertical. Uma das integrantes do grupo havia esclarecido que as imagens tinham um conteúdo temporal e que este acontecia verticalmente, mas que, por falha do pessoal contratado para projeção, as imagens estavam repartidas em quatro quadros e essa relação de seqüência não estava tão evidente quanto deveria. A partir de então, acompanhei algo que já me era indiciário, mas que só com essa informação se fez para mim conclusivo: imagens em cores que migravam verticalmente de um quadro para outro; espécies de bolhas (de água ou de fumaça) que recebiam como que tiros e, uma a uma, estourava-se em ordem de atingimento; chamas que se espelhavam e se reespelhavam; corpo dançarino, tanto parcelado entre os quadros, quanto em seqüência irreal naqueles mesmos quadros, em movimentos que me remeteram ao ‘break’; uma boneca em chamas. Enfim, até onde pude discernir, hipnotizei-me.

Fui despertada por uma prudente observação: – Vamos que a chuva está engrossando.
No regresso, não mantive o deambular vagaroso da chegada, mas mesmo correndo de marquise em marquise (todas “Super Úteis”) até alcançar o veículo, às 20:20min., percebi que o prejuízo técnico da execução do projeto (seja pelas telas partidas em quatro, ou pelo ‘pifar’ de um dos projetores) não atingiu a relação obra, público e espaço público. Talvez tivesse evitado a minha imersão-hipnoze, mas eu não o permitiria.

A noite recifense do onze de setembro próximo passado verticalizou o cinema e horizontalizou o acesso... E a chuva ainda duraria por um bom tempo...

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