domingo, fevereiro 07, 2010

Casa nova:

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sábado, setembro 15, 2007

Por uma poética da resistência - sobre a série Inimigos de Gil Vicente -

Maria do Carmo Nino


Quando os amigos se entendem bem entre si, quando as famílias
se entendem bem entre si, então acreditamos estar em harmonia.
Engano puro, espelho para cotovias.
Às vezes sinto que entre dois seres que se quebram a cara
com bofetões há muito mais entendimento do que entre os que estão olhando de fora.

Julio Cortazar , Rayuela.

“Os artistas são os benfeitores da humanidade”
Fellini, em Ginger e Fred



A natureza do êxtase estético propiciado pela obra de arte é sobremaneira complexa: trata-se de uma forma de conhecimento que opera inicialmente pelos sentidos para depois atingir a razão. Nossos sentidos se abrem por completo e encontramo-nos perdidos em uma plena floresta de um mundo que nos toma por inteiro, sem que saibamos exatamente porque somos levados pelo sentimento que vivenciamos e, apenas em um momento posterior, tentamos conciliar o que confusamente experimentamos com alguma razão que possa ter despertado em nós este sentimento. E isto se faz por partes, na proporção em que observamos detalhes, em que procuramos o sentido da obra, aquilo que Francis Ponge chamava de >>olhar-na-medida-em-que-falamos-dele <<.

Mas o que esperamos de uma obra de arte? Independente da sua natureza literária, pictórica, teatral, cinematográfica ou mesmo musical, guardamos em nosso interior mais recôndito a esperança que ela faça revelar em nós emoções incontidas, alegres ou não, desconfortáveis ou reconfortantes, apaziguadoras, inquietantes, ou mesmo que ela nos propicie uma revelação sobre nossa própria natureza humana que não conhecêssemos ainda, algo que está além dos sentimentos que cotidianamente classificamos como felizes, tristes ou simplesmente melancólicos.

Quando me deparei com as obras da série intitulada Inimigos do pintor Gil Vicente, este sentimento tão definitivamente radical e sem apelo foi de rejeição, porém ao refletir sobre o porque desta minha reação, percebi com uma certa surpresa que não conseguia encontrar uma razão suficientemente convincente para mim.

Afinal conhecendo e admirando há tempos a trajetória do pintor, a sua persistência em permanecer fiel aos preceitos de uma arte com recursos simples, imune aos efêmeros modismos, a maestria do desenho que só se confirma com o tempo, tudo aparentemente e coerentemente estava lá, então por que esta sensação de não convencimento?

Tampouco o conteúdo agressivo do tema da série me assegurava uma razão suficiente, afinal uma das maiores e importantes características da arte é a possibilidade de abordar esteticamente sentimentos que na nossa vida cotidiana rejeitaríamos, ou, para falar simplesmente, dizer belamente o feio. Para prová-lo basta imaginar o quanto dos grandes e magníficos momentos de legado artístico da nossa história cultural devemos às grandes tragédias.

Crimes, massacres, injustiça social, assim como o sentimento de impotência causando desesperança, angústia e terrores infindáveis, não são estranhos a nenhum de nós nem na vida, nem na arte. Eu mesma me observo algumas vezes (não tantas vezes quanto gostaria, é verdade) tomada pela emoção diante de filmes, fotografias, histórias, cujo conteúdo estão longe de serem reconfortantes e ainda assim o sentimento paradoxalmente (ou catárticamente) é de uma euforia, é um sentimento que lhe leva para cima. Então, por quê?

Por que a patente desorientação do artista diante das agruras da vida culminando com a radicalidade do seu ato não me comove, nem me convence? Por que até mesmo o que poderíamos chamar de coragem ao colocar-se tão claramente em cena na representação desta série de atos insanos, não permite a minha identificação ou meu abraço?

Pode ser que, finalmente, eu tenha compreendido o que em mim faz resistência: Gil, eu acredito, não tem como inimigos este papa específico, ou mesmo a atual rainha da Inglaterra, ou ainda o presidente vigente. Penso que a sua rejeição se dá contra as instituições e as convenções do poder no nosso mundo, do qual estas figuras são emblemáticas. E a esse sentimento de não–aceitação ele se entrega e sucumbe. Dá-se por vencido. O seu ato não é heróico, não é nem mesmo um ato de sacrifício, é um ato de desistência.

Ao escrever estas palavras, me lembrei do pai-fundador do anarquismo: Henry David Thoreau, que em seu fulgurante e brilhante ensaio prega a desobediência civil: O melhor governo é o que governa menos, ou absolutamente não governa, disse. Que, como o autor, sejamos ou não esperançosos de um dia prescindir de governo, eis algo sobre o qual cada um de nós pode refletir à vontade, mas, independente de onde nos situemos, é preciso resistir e continuar a luta. É preciso procurar contribuir para a formação da consciência histórica do indivíduo ou da nação, de modo que ela possa se dar positivamente.

Nas mãos de Ghandi, que se recusou a responder à violência do imperialismo britânico com uma violência oponente e simétrica, longe da resignação, do conformismo ou da passividade que esta ação poderia deixar supor, o texto de Thoreau serviu como libelo para ajudar a manter o equilíbrio sobre o gume da espada, em um profundo trabalho da violência sobre si mesma que foi capaz de conduzir à uma transfiguração do próprio homem ¹ e levar à vitória, embora a luta ainda tenha que continuar, sempre.

*

¹ Dadoun, Roger, A Violência, tr. Pilar F.Carvalho, Carmen C. Ferreira, RJ, Difel, (1993) 1998, p.103.

Arme os malucos, depois discuta que filmes influenciaram suas decisões.

Carlos Heitor Barros
Às vezes eu olho para as canetas como um masoquista olha para uma gilete, como que precisando de dor para aliviar. Desejo e repulsa. Penso em outra coisa, tento outro objeto, mas os olhos insistem em esbarrar onde não devem. Mas caem numa armadilha espiralada onde o centro está cada vez mais próximo, até que não possa ser negado. O ponto fixo, mesmo que um ponto cego, no meu caso, uma caneta cortante.
Já a usei em outras épocas para perfurar-me, até deixar escapar uma líquida e densa poesia. Quente, pulsante, nada mais fazia do que sujar o papel abundantemente, mas me aliviava da pressão. Eu que não podia chorar, deixava meu corpo expurgar suas dores discretamente, ainda que uivando. Solitário quando secreto, amparado quando necessário.
Já cortei minha pele com ela finamente, de forma a criar um tipo de tatuagem por escarificação. Achava que isso podia ser arte. Achava que isso podia ser interessante. Achava que eu poderia ser interessante. Ou ao menos tentava. Pergunte-me agora e eu posso ter certeza de que eu não fazia idéia do que procurava. Desconfiava disso então, mas não tinha certeza. Não sei se isso ajudaria, no entanto: certeza de não saber o que se quer não ajuda a querer, nem a caminhar. Talvez as absurdas paisagens de sonhos em desenhos confusamente multi-estilisticos nas minhas costas sejam testemunhas dessa tese.

Já matei dezenas também, com essa mesma lâmina de tinta, em confronto próximo e pessoal. Brandindo golpes cheios de raiva de mim mesmo procurando ferir profusa e profundamente quem quer que dividisse o ambiente, debatesse a tragédia, fosse platéia. Brigar com qualquer outro era o suficiente para me manter longe desse incansável inimigo, desse constante eu-nêmesis. Caneta em punho cerrado, o papel quase rasgando sob os signos tão pesados. Alvos não precisam de sentido, eu precisava deles: alvos, sentidos...

Vi-me num mundo de semideuses de beleza e estilo. Num mundo que se identifica por relógios de pulso. Num mundo que sugeria tanto, mas me fazia tão pouco. Senti-me compelido a fazer o que esse mundo fazia. Me maquiei, escolhi os melhores ângulos, as roupas, palavras e atitudes certas. Fiz-me personagem como ponte entre o que eu era e o que o mundo desejava. E quando o mundo me desejava eu sabia que tinha vencido um pouco. Mesmo tendo me perdido um pouco.
Meu problema talvez só fosse gostar de mim. Sem matar ninguém, sem ferir a ninguém. Sem machucados ou dores. Sem machucados ou dores não feriria ninguém, não mataria nem moscas.
Uma vez li que as palavras separam, enquanto as ações unem. Achei que eram palavras de um mestre de yoga, mas descobri que a frase era creditada a um grupo terrorista basco.
Só interessa por onde começar se você não tiver começado ainda.

Desejo eremita

Rodrigo Braga



Sim! Eu vim agora mesmo do centro da cidade e posso afirmar que o apocalipse já começou! Sinto cheiro de loucura no ar. Tá todo mundo se afogando de angústia, tá todo mundo correndo sem saber onde vai dar. Raiva e vontade de ter motivo pra qualquer coisa acontecer de fato. Essa é a capital do carnaval mais violento a cada ano. Tem o maior galo do mundo. O artista também pôs ereto o maior “peru” do mundo, bem abaixo do umbigo do universo. Orgulho de ser; somente “ser”. Só aqui a tipografia Armorial ainda escreve “cultura”. Não temos horário de verão porque já somos o verão, não é?! Mas levamos em nossos pulsos moles o fuso-anti-horário de tempos arcaicos. Minha cidade é ícone do que tem de maior em linha reta e do que tem de pior também, eu aprendi isso na escola que também me ensinou o maracatu... E o governador já avisou que os soldados do inferno estarão nas ruas aos milhares nessa folia para fazer os adolescentes beberem seus lolós até dissolverem o esôfago, para fraturar muitas canelas subnutridas com seus cacetes duros, para fazer neguinho pular para a morte no maior esgoto a céu aberto do mundo. Nada, menino! Nada que eu quero ver! O Cão Sem Plumas e sarnento agoniza como nunca. Já vou. Sinto uma vontade enorme de me isolar covardemente num paraíso qualquer, enquanto o paraíso existe. A floresta, a caverna: isso é solução pra mim. Vou me mandar para um lugar bem alto e verdinho. Vou trepar na árvore, vou trepar com a terra. Você sabe tanto quanto eu que a humanidade vai aquecer o planeta até que aqueles lindos vegetais cozinhem todos e virem léguas de deserto. Lá é alto, só pode virar deserto. Enquanto isso minha cidade em poucas décadas vai ser tomada por tubarões gigantes e peixinhos desequilibrados da cadeia alimentar. Nenhum prefeito da Veneza de cá vai ter que se preocupar mais com a eterna falta de saneamento, toda a merda já vai estar boiando. Nossa elite com suas bagagens pesadas e vazias de consciência vai lotar os aviões, mas nem todos caberão na Disneylândia. Já a famigerada classe média vai ter que subir o morro e pedir pinico. Mas eu não. Vou estar curtindo o ar fresco. Lá eu vou andar, andar e andar para gastar o suor acumulado por todo esse tempo nas minhas glândulas sebosas! Um dia vou juntar muita grana para comprar aquele quadragésimo quinto andar da Moura Dubeux. Aí serei imperador do meu domínio, e, do alto da minha contradição, poderei praticar a política incorreta que eu quiser com os meus empregados. De lá poderei até avistar as duas faces do Alto do Mandú e, de quebra, ainda escapar do dilúvio. Mas agora não. Agora sou só um cagão! Quero fugir dessa realidade que virtuo todos os dias, desse cheiro de caranguejo morto misturado com cocô que sai das valas do nosso Recife Antigo e nauseia os parcos turistas. Minha cidade, além de gente despejada nas calçadas, também tem o povo mais mal educado da face da terra, que suja, cospe e ejacula a imoralidade de tirar vantagem até nos mínimos detalhes. É uma inteligência empírica e perspicaz, uma incrível capacidade de ser o melhor. E dizem: “eu pago meu IPTU e quero ver aquele lindo batalhão alaranjado varrer a Guararapes nove vezes por dia! Eu jogo fora, sim. Não fui eu que comprei?”. João Grilo quer mais, ainda mais. Ele leva bomba mas também ri da sua cara, Mané! Eu? Eu quero estar bem longe dos toques dos clarins do Momo gorduroso! Isso mesmo, minha gente! Desejo caminhar por sobre as pedras do lindo riachinho enquanto esse povo todo veleja no mar de lama! Vou ficar bem longe dos ruídos dessa cidade. Buzinem. Agora buzinem à vontade, seus bostas!! Sintam-se motoristas felizes ao encherem seus tanques quando o cartel der uma trégua e fizer uma promoção relâmpago. Depois tranquem os cruzamentos, esculachem qualquer regra, pois a CTTU só pega o otário – esse sujeito cada vez mais raro. Qualquer iniciante já aprendeu a regra do jogo: “molhe minha mão aqui e agora, quero meus dez contos do guaraná, aqui sentou pagou, é três paus antecipados, viu??!! Colabore com sua segurança. Co-la-bo-re, entendeu?? Isso agora aqui é meu. Isso aqui não é de mais ninguém.” Sim, a bronca é pesada! Uma mulher degolada a cada semana, a menininha foi deflorada pelo papai. Já naquela outra cidade, o filhinho da mamãe foi esfolado pelas ruas pendurado na charrete dos demônios... Meu Deus, eu bem que sei que também sou culpado! Minha mãe muito politizada me ensinou que eles também são vítimas... os bárbaros também são vítimas apenas por serem dejeto social! Mas meu bem, não tem como escapar se ficar na urbe. A saída é o mato, o mato! Cardinot não explica, mas Alex quer explicar. Esse calor úmido não me deixa mais pensar. Esse mormaço salobro enferruja até meus miolos! A cachoeira vai me fazer bem. Amanhã voltarei de alma lavada e desbotada.

Transparências e incandescências num Pátio de São Pedro

Clarissa Diniz


Agradeço a Moacir dos Anjos
pela generosidade e contribuição
na elaboração deste texto.



delongadamente

Temos, no trabalho A vida [somente no Pátio] modo de usar, de Elida Tessler, uma urgência pelo contexto que, desde a arte moderna, tem se tornado necessário como fonte de sentido para vários trabalhos de arte. Assim, falar desse trabalho de Elida sem referir-me ao contexto no qual ele foi criado (e exibido) me parece difícil, e por isso não me privarei de contextualizar o quanto me for conveniente para que minhas idéias se façam mais claras.


transparentemente

A transparência da/na obra de Tessler é ambígua e, por isso, curiosa.

No A vida [somente no Pátio] modo de usar não temos a transparência somente nas placas que compõem o trabalho, mas especialmente no discurso da artista, que pode ser lido no texto que o acompanha, o Espécie de Manual, que, ao esclarecer o seu processo de construção, passa a funcionar como uma fonte de sentido para a obra. Ainda assim, a transparência das placas pode ser uma interessante metáfora sobre a relação da obra com as paredes que a “suportam”, deixando que se mostrem, através do trabalho, os preceitos da instituição que o abarca – no caso, o MAMAM no Pátio.

Assim, como característica que nos permite ver através e enxergar o que, em princípio, estaria ocultado pelo que está em primeiro plano, a transparência é, inclusive fisicamente, um aspecto naturalmente contextualizante.

Contextualizar, aqui, o trabalho da artista, talvez fosse dizer que ele foi criado numa residência de artistas na Itália, quando ela, com sua peculiar compulsão literária, selecionou e imprimiu todos os 1184 advérbios de modo presentes no livro A vida modo de usar, de Georges Perec, colando-os, depois, na parede de seu atelier, à qual acrescentou objetos (ou restos de objetos) do uso cotidiano dos outros artistas que participavam da residência, denominando sua instalação de A vida somente.

Continuar contextualizando deve ser explicar que, meses depois, Elida recebeu um convite do MAMAM no Pátio, uma espécie de anexo do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, para participar de uma residência de artistas que tal instituição, que acabara de ser criada, estava inaugurando. Aceito o convite, três meses depois Elida chega a Recife, e, num período de duas semanas, ela desenvolve e instala, na casa do MAMAM no Pátio, o trabalho fruto de sua residência, o A vida [somente no Pátio] modo de usar, no qual ela imprimiu (antes mesmo de chegar), em placas de acrílico, todos os mesmos 1184 advérbios, afixando-os com pregos nas paredes da casa, mas, dessa vez, dispensando os objetos que fizeram parte da instalação na Itália, pois, diz a artista, os objetos já estavam lá, ao redor da casa (uma referência ao Pátio de São Pedro, endereço do local de exposição). Vale ressaltar que, durante essas duas semanas, Elida também ministrou um workshop e realizou alguns encontros-palestras com públicos diversos.

Toda a narração do processo de instauração da obra, ainda que monótono, é relevante para seu entendimento e para minha “análise” da residência em questão, pois é justamente o processo – aspecto cada dia mais querido por artistas e estudiosos – que o MAMAM no Pátio pretende estimular, uma vez que, nas palavras de seu diretor, Moacir dos Anjos, ele pretende “ser um espaço institucional de experimentação nas artes visuais e de reflexão crítica sobre os seus desenvolvimentos contemporâneos”.

Experimentação, tal como informou a gerente do espaço, Luciana Padilha, seria um termo usado não apenas no sentido do experimentalismo em arte (promover trabalhos experimentais), mas também no sentido da experiência museológica, que vem sendo constantemente exercitada desde que os trabalhos de arte têm se dado através de meios que vão além do habitual poder museológico de conservá-los ou categorizá-los. O MAMAM no Pátio é, portanto, de acordo com seu discurso, uma instituição que pretende colocar-se em risco o tempo todo, ao colocar em risco, por exemplo, o artista que nele reside.

Mas que risco é esse? Quais foram os riscos que permearam a recente criação da instituição e sua primeira realização, a residência de artista cuja convidada foi Elida Tessler?


incandescentemente

Há algumas diferenças de valor entre uma residência de artista e, por exemplo, uma exposição comum, e que, acredito eu, devem ser consideradas, por mais que o resultado de uma residência possa ser uma exposição comum.

Uma residência de artista é uma “exaltação” do próprio artista, uma atitude um tanto romântica em relação a ele, uma vez que, ao se convidar um artista para uma residência, não se está creditando valor a uma obra de arte, mas apostando na produção de um artista como um todo, e principalmente acreditando na sua suposta “genialidade criadora”, já que, quando se dá uma residência, expõe-se um indivíduo a certas circunstâncias, observando-se as suas atitudes e esperando dele uma reação que seja minimamente interessante a uma audiência. Nesse caso, uma obra de arte.

Contudo, diferentemente do romantismo, a crença na “genialidade criadora” desse artista não se explica por razões dogmáticas, mas pelo que convencionamos chamar de reputação, bem como através da relação de confiança – recíproca – que se estabelece entre o convidado e o diretor/curador da instituição que o convida.

A reputação nada mais é do que uma sucessão de experiências cooperativas dadas entre partes que se confiam mutuamente, e que possuem legitimidade social, levadas a conhecimento público.

Assim, no caso de Elida, por exemplo, o que acontece é que Moacir conhecia bem a reputação da artista e nela confiava (isso ocorre porque ambos fazem parte do mesmo abrangente círculo social artístico), o que o deu os precedentes necessários para convidá-la a trabalhar na instituição por ele dirigida. Nas palavras de Moacir: “por gerir, há vários anos, um espaço com um espírito semelhante (Torreão) e ter atividade docente consolidada, Elida Tessler possui um perfil capaz de não somente entender e responder positivamente à proposta do MAMAM no Pátio como também de nos ajudar, através de uma relação franca e crítica, a ajustar o seu modo de funcionamento (...)”.

O que seria “responder positivamente”? Que espécies de pré-julgamentos se fazem antes de uma residência de artista que se entende como experimental? Como qualificar (de “positiva”, no caso) uma resposta antes de conhecê-la?

Segundo o próprio Moacir, “responder positivamente” seria “apenas partilhar o desejo de implementar um espaço que se quer flexível (...) e não significa, em absoluto, (...), fazer um projeto que, digamos, não constrangesse a instituição”, bem como não significa “temer uma atitude “não-convencional” do artista, mas, inversamente, também não esperar e cobrar a todo custo que o artista assuma tal atitude”.


insistentemente

Volto ao risco. E volto à transparência.

Vendo através do trabalho de Elida, e percebendo que o seu trabalho não me parece experimental, nem quanto à linguagem nem quanto ao procedimento (voltado às referências duchampianas sem, no entanto, a meu ver, ir além do procedimento artístico por ele já instaurado), procuro entender porque ele está abrigado por uma instituição que se entende como tal. Lembrando-me, inclusive, de já ter visto um trabalho (Palavras-chaves) da artista exposto no MAMAM, numa coletiva “não-experimental” de obras doadas a seu acervo, me esforço por perceber que diferenças há entre esse museu e seu anexo.

Por mais que devamos fazer as devidas ressalvas quanto às diferenças entre os trabalhos expostos no MAMAM e no MAMAM no Pátio, a minha intenção é questionar de que experimentação se está falando.

Sabemos que há diversos graus de experimentação. Há artistas que passam toda a vida e obra indo de encontro e criando novas convenções, mas há, também, aqueles que são “experimentais” somente em trabalhos pontuais e, às vezes, o sendo somente em relação a sua própria poética.

Acredito, contudo, que a experimentação seja uma atitude de não-conformação e de inventividade diante dos padrões da arte, e é essa a noção de experimentalismo/experimentação que tomo como parâmetro para afirmar que a obra de Elida não me parece experimental.

Ainda que eu não ouse chamar o MAMAM de tradicional – longe disso, aliás –, sei também que ele não se propõe a ser um reduto da mais “arriscada” arte que se vem fazendo (entendendo como “arriscada” uma arte que supostamente não encontrasse uma abrangente genealogia à qual se filiar, configurando, assim, seu caráter entrópico), mas local para uma reflexão mais tranqüila (e talvez aprofundada) acerca de questões de uma arte contemporânea já relativamente estabelecida, mas que, claro, não perdeu sua vitalidade. O seu anexo, contudo, aposta, de bom tom, na aventura artística. Por que seriam os dois, então, dirigidos e, sobretudo, curados, pela mesma pessoa? Isso não acabaria por, ainda que inconscientemente, assemelhar as linhas curatoriais de ambos?

Talvez na intenção de não permitir que essas linhas curatoriais se confundam, o MAMAM no Pátio instituiu um edital que será o responsável pela seleção de quatro dos cinco projetos financiados pela instituição no ano de 2006.

A seleção, que será feita por uma comissão formada por três profissionais em arte – um deles o próprio diretor do MAMAM – , basear-se-á, majoritariamente, na trajetória do artista, uma vez que, por ser uma residência, tal seleção não poderia ser feita com base em projetos para o local. Mas eis que as trajetórias nos levam de volta à questão das reputações....

Sabemos, no entanto, que a reputação de alguém só se dá em um círculo social de proximidades, pois é necessário que as pessoas que se legitimam mutuamente se conheçam para que essa legitimação se dê. Sabemos, também, que, se eles já se conhecem, é muito provável que façam parte do mesmo sistema. E, se fazem parte do mesmo sistema, é porque estão de algum modo harmonizados (adaptam-se uns aos outros), sendo essa harmonia uma forma natural e inconsciente de convivência humana, não devendo ser interpretada como um discurso em apologia às “panelinhas” ou qualquer outro tipo de conclusão imediata nesse sentido.

No entanto, se estamos buscando a experimentação, algo que ainda não conhecemos, não seria o caso, talvez, de propiciarmos que isso venha de fora do nosso sistema? Não que a experimentação não possa vir de dentro do próprio sistema, mas selecionar artistas via trajetória é, normalmente, selecionar artistas já experientes e, habitualmente, cujas experimentações já foram incorporadas pelo sistema em questão, de forma que eles perdem, de algum modo, sua força entrópica (geralmente, porém não obrigatoriamente, juvenil). Força entrópica essa desprivilegiada quando seu tempo de gestação é de uma ou duas semanas (o tempo da residência oferecida, pelos impedimentos financeiros do sistema político-cultural brasileiro, pelo MAMAM no Pátio)...

Essas ambigüidades entre o discurso e as ações da instituição se sintetizam, para mim, no resultado da residência de Elida Tessler.

Seu trabalho, que se supõe/supunha experimental, revelou-se “conservador” por não exigir transformações substanciais no trabalho ou nos procedimentos da instituição ou da artista. Se a idéia era que a artista criasse um trabalho a partir do lugar (daí ser uma residência), isso não ocorreu. O que de fato vejo é que um trabalho já realizado e conhecido da artista foi adaptado à residência. Não podemos dizer, então, que é um trabalho inédito, ainda que ele possua algumas diferenças em relação à montagem anterior, realizada na Itália, e eu não ousaria, além disso, dizer que foi feito a partir da residência no Pátio.

Algumas das questões acima abordadas são “justificadas” mediante “explicação” no Espécie de Manual da exposição de Elida, texto que, apesar de poder ser considerado como parte da instalação (como um “meta-trabalho”), é, sobretudo, um texto que contextualiza a obra, legitimando-a e a ela agregando valor, o que, em certa medida, seria assumir o papel do curador da mostra que, estranhamente (ou, talvez, experimentalmente), permaneceu em silêncio ao ceder seu habitual espaço de voz à artista.

Temos, acredito, uma série de pequenas questões que me fazem duvidar do caráter experimental da exposição de Tessler e do projeto que lhe deu origem. Sinto incoerência entre discurso e atitude no que se refere aos propósitos do MAMAM no Pátio que, tal como o trabalho de Elida, não me parece uma outra instituição, com outros preceitos, mas somente uma adaptação do próprio MAMAM, ou como deixa bem claro o seu nome, um deslocamento do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães para o Pátio de São Pedro: MAMAM no Pátio.
Não estaríamos lidando, então, com mesmo MAMAM, só que no Pátio?


Moacir dos Anjos, depois de ler este texto, me disse que o MAMAM no Pátio nunca quis ser outra instituição, que nunca quis deixar de ser o MAMAM. Contudo, o deslocamento por ele realizado (da Rua da Aurora para o Pátio de São Pedro) não pretende ser apenas físico, havendo, sim, o “desejo genuíno de instalar um vírus na instituição, que a fragilize e a faça, gradualmente (...), adotar estratégias mais adaptativas em relação à produção contemporânea”.

quarta-feira, julho 25, 2007


terça-feira, janeiro 30, 2007


A thing of beauty is a joy forever.
- Jonh Keats.



Arte é um prazer que perdura.
Ana Luisa Lima


Quem almeja ter uma relação com a arte não pode querer que esta seja fácil. O primeiro encontro ainda que arrebatador traz aquela pequena – humana – insatisfação de não ter apreendido o todo.

Estar diante de uma obra de arte requer humildade. É preciso deter-se. Deixar-se envolver. Ouvi-la. Ainda que nada entenda. É como se apaixonar por alguém à primeira vista. Passado o impacto daquilo que nos fez encantar imediatamente, queremos saber os detalhes que auxilie a conquista.

A necessidade de entender está sempre atrelada à angústia. É, no mínimo, desalentador perceber que não há vestígios de nós mesmos naquela pessoa que nos fez apaixonar. Este não (re)conhecimento dá ao outro a posição de inalcançável. Daí, dois são os caminhos: desistir ou perscrutar.

Quando se trata de arte, sobretudo, Contemporânea, o primeiro caminho é quase sempre o mais percorrido. A estranheza assusta. O que não é usual intimida.

Nenhuma arte é inalcançável. Como também, ela não pode ser completamente absorvida. A obra, objeto, ambiente de arte foram criados para serem percebidos – investigados. Isto requer um comprometimento de quem deseja o encontro. Querer ir em busca do que for necessário para.

Rainer(1) já advertira, certa vez, um jovem poeta de que se escrever lhe era imprescindível, então, que houvesse entrega. Mesmo que fosse preciso apegar-se ao difícil, dolorido, solitário. Quem escolhe namorar a arte – ao perceber que esta lhe é necessária à sobrevivência – pode estar escolhendo se angustiar. Porque nunca chegará a esgotar as formas de compreendê-la. No entanto, haverá o eterno prazer de senti-la, (re)vê-la, sondá-la e, como se fosse a primeira vez, ter um novo motivo pelo qual se apaixonar.



A beleza é a verdade, a verdade a beleza.
- É tudo o que há para saber, e nada mais.
(Keats, John - Ode sobre uma urna grega)



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(1) Rainer, Rilke Maria."Cartas a um jovem poeta", tradução de Paulo Rónai, Editora Globo – Rio de Janeiro, 1995.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

O Olinda Arte em Toda Parte e a Corte de Quinta
Clarissa Diniz


Na última quinta-feira, participando de um debate que, teoricamente, seria acerca da obra de determinado artista, eis que me percebo diante de uma discussão política e estética da arte que, fugindo ao tema inicialmente proposto, então se encontrava a debater sobre o Olinda Arte em Toda Parte.

No público, como quase sempre, artistas e estudantes de arte – praticamente todos ligados ao curso de Educação Artística/Artes Plásticas da UFPE e seu mundo de referências da dita arte contemporânea – discutiam o que para mim soava cada vez mais estranho: a validade (ou melhor, o “direito”) do evento empregar, em seu titulo, o termo arte.

A questão-chave da conversa se referia a que “tipo de arte” trata o evento, e a acusação mais contundente era aquela que afirmava que do Olinda Arte... não participam artistas, mas artesãos, e que, portanto, o evento estaria “desautorizado” a se auto-intitular artístico.

Senti-me diante de uma “corte” de artistas que, julgando-se dotada do poder de conferir o titulo de arte àquilo que reconhecem como tal, acreditavam-se, conseqüentemente, na plena condição de apontar quem teria o direito de “ostentá-lo” – e, de acordo com o juízo deles, certamente os artistas olindenses não o possuíam.

Ainda que não o tenham admitido objetivamente, pareceu-me bastante evidente que, para eles, assim como os profissionais que exercem determinada atividade sem a legalização especifica são considerados charlatões (em alguns casos, até mesmo criminosos), também os indivíduos que se denominam artistas (indicando, conseqüentemente, que aquilo que produzem é arte) sem, de acordo com seus pontos-de-vista, verdadeiramente o serem, são charlatões ou, para usar um termo por eles referido, “artistas de Olinda Arte...” – leia-se: oportunistas e comerciais.

Recém-saída de uma pesquisa sobre legitimação artística, não pude deixar de perceber, nas opiniões acima referidas, uma genuína conduta de autolegitimação cuja base está na desconsideração do outro. Apesar de, pessoalmente, considerar a maior parte de tal tipo de pensamento antiético e arrogante – além de desnecessariamente competitivo –, o que me interessa é ressaltar o quanto a maioria de nós, profissionais do circuito de arte contemporânea amplamente legitimado por instituições como museus, bienais e governos, sentimo-nos (erroneamente, creio) autorizados a monopolizar a arte – não só ocupando os principais espaços físicos e simbólicos a ela hoje destinados – como, inclusive, ousando reprimir aquilo ou aqueles que, segundo nossa visão, estejam fazendo uso indevido do termo arte.

O que claramente estava em jogo no debate da última quinta-feira não era nem mesmo uma discussão qualitativa acerca das obras expostas no evento em questão – o que considero sempre muito saudável – mas uma prepotente atitude de ataque que, em verdade, disfarçava um instinto (quase animal) de defesa que optava pelo cooperativismo como uma estratégia de proteção grupal diante de uma suposta “ameaça externa”.

Não sei se apenas por pretensão ou mesmo por ignorância, tal “corte” demonstrava desconhecer que o que legitima algo ou alguém como artístico é um complexo de relações sistêmicas e processuais que, funcionando de forma complementar e enfática, não concentra o veredicto final da condição de arte em um ponto especifico do processo (nem mesmo na famigerada história), não cabendo a eles, portanto, a autoridade de decidir se o Olinda Arte em Toda Parte envolve ou não “arte de verdade”. E mais: ainda que possam duvidar da qualidade de determinados artistas, acredito que os membros da “corte da/de quinta” não podem desdizer a certeza inicial daqueles que se dizem artistas (e produzem algo a que chamam arte), pois, inclusive para eles (os “cortesãos”), o passo primeiro na direção da legitimação artística tem sido um tipo de autoconsciência da condição de sê-lo: “sou artista”.

Por mais que possamos criticar a estrutura e a função sócio-cultural-etc. do Olinda Arte..., bem como a qualidade da maior parte dos trabalhos lá apresentados, não concordo com o fácil posicionamento que habitualmente encontramos, no nosso “circuitinho”, acerca dele: o de negá-lo a ponto de negar, também, a sua condição de arte.

Acredito que nós, “artistas contemporâneos”, precisamos fazer um uso mais sincero da “pluralidade” por nós tanto pregada, e exercitar, verdadeiramente, a tolerância cultural de que falam vários dos autores que nos têm inspirado. Se criamos uma bienal com o tema como viver juntos, e se buscamos construir nossa representação social através de bienais como essa última de São Paulo, imagino que urge que ao menos respeitemos nossos colegas de profissão, por mais que suas motivações possam nos ser estranhas.

Termino este texto na esperança de que, num próximo debate, passemos menos tempo atacando os outros como se, assim, fôssemos garantir nosso espaço, e mais tempo nos dedicando a aprofundar aquilo que, pelo visto, está em nós ainda muito inseguramente posto – a nossa arte.


Arte em Toda Parte
Ana Luisa Lima


Penso ser inócuo o debate acerca da pertinência do artesanato no Olinda Arte Em Toda Parte. Se alguns não perceberam, a palavra arte tem muitas acepções. Obviamente quando a cidade de Olinda convida todos para ver arte em toda parte, ela está se referindo à arte latu sensu. Essa que abarca todas as manifestações. Essa que o senso comum é capaz de alcançar. Parece-me que muitos ainda se permitem angustiar sobre a low e high arte. Uma discussão inútil quando se trata do evento olindense.

Não acredito que os propositores do Olinda Arte... em algum momento pensaram em fazer do evento mais uma espécie de salão - mais uma vitrine exclusiva para arte contemporânea. Penso que o motivo precípuo seria de movimentar a cidade em torno de algo que Olinda é rica: arte; e ponto. Trata-se de juntar todas as tribos. Abrir as portas para que o público conheça e julgue por si só.

Sim, há arte para todos os gostos. Mas, há desgosto quando me deparo com essas picuinhas que envolvem o universo da arte, mais especificamente, a pernambucana. Olindenses não querem recifenses por perto. Recifenses querem que em Olinda a maioria dos ateliês seja para arte contemporânea. E onde fica a diversidade?

Foi através do Olinda Arte em Toda Parte, há dois anos atrás, que tive o primeiro contato com a obra de Luciano Pinheiro, Guita Charifker, Cavani Rosas, Roberto Lúcio... Como também conheci a primeira versão do Branco do Olho. Suportes tradicionais e propostas contemporâneas coexistindo - uma delícia poder movimentar meus pensamentos ao sabor daquelas proposições tão distintas. Ainda num clima de excitação, dancei coco de roda de umbigada em Guadalupe – coisa que não conhecia. Comprei brincos e pulseiras no bairro do Amparo. Comi tapioca e tomei cerveja no topo da conhecida Ladeira da Sé.

Não entendo por que uma arte deva ser excludente da outra. Ou ainda, por que alguns olindenses esbravejam para que casas-ateliês não possam ser alugadas por recifenses e outros que queiram vir. O melhor do Olinda Arte... esse ano foi, sem dúvidas, a presença de trabalhos dos artistas convidados de Santa Teresa - Rio de Janeiro. Não só porque os trabalhos enviados foram muito bons, como foi rica a oportunidade de sentar e conversar com um deles.

Nadam Guerra é um jovem que atua na cena da arte carioca com trabalhos em fotografias, performances, vídeos-performances, instalações... Com ele, pude trocar informações de como o seu grupo (Grupo Um) se movimenta. E a exemplo do que acontece com o B.O. o Grupo Um também se reúne para discutir trabalhos e pensar sobre arte. Ele me confessou como pode ser ingrata a posição de escrever criticamente sobre o trabalho de um colega. E ao mesmo tempo, como essa prática pode trazer ganhos quando o colega se abre para (re)pensar sua obra a partir das questões pontuadas.

Penso que tudo é ganho quando a diversidade resolve conviver. Críticos, curadores, artistas de todos os lugares e público crescem com esse tipo de oportunidade. Olinda num evento como esse pode ser um catalisador: trocas de idéias, a grata surpresa de ver o que há de novo, de antigo, o tradicional, o contemporâneo, o artesanato, a dança no meio da rua, a cerveja gelada... Entendam: quando se trata de Olinda Arte em Toda Parte é vão se angustiar sobre o que é a low e high arte; celebremos o lúdico.





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Nadam Guerra
Foto arquivo: listras_1_13
Ótica Abstrata, série listras #13
2005
Técnica: fotografia digital.

sábado, outubro 14, 2006



Bruno Vilela.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Muitas e boas
Renata Nóbrega


Se “figurinha repetida não completa álbum”, é indiscutível que “piada repetida, quando bem contada, é sempre de fazer rir”.

Foi assim que me senti ao ter acesso aos panfletos do “Humor Terapia”. Lá contavam os “Primeiros Socorros Contra Momentos Desconcertantes – PSCMD”. Não são poucas as ‘tiradas’ engraçadas acerca dos, digamos, ‘híbridos contemporâneos’. Na crista da onda, o ‘deslocamento do sujeito’, o ‘local e o global’, a ‘nebulosa pós-moderna’, dentre outros. São construídos discursos referentes às produções visuais dos nossos dias que, mesmo sob sólidos e fundados pilares de racionalidade e empirismo, é impactante até para ‘iniciados’, os quais não deixam de rir de uma nova velha boa piada bem contada sobre o estranhamento (vocábulo também na crista da tal onda) dos dias em curso.

O panfleto, trazendo didáticas ilustrações ‘quadrinescas’, introduzia-se ao transeunte pelos dizeres: “prestará os primeiros socorros aos leigos em artes plásticas, já que essa semana estará acontecendo o SPA, a Semana de Artes Visuais do Recife”.

De modo descontraído e despretensioso me chegaram as “instruções” ali trazidas. Dei-me a gargalhar, pois, pela qüinquagésima centésima primeira vez ria de mim mesma, recordando de muitos momentos (passados, presentes e certamente futuros) .

Por fim, uma advertência que não poderia ser outra: “O Humor Terapia adverte: Os primeiros socorros são apenas a primeira ajuda a ser dada a vítima. Eles servem para aliviar a dor e estabilizar o estado da pessoa, mas não servem como tratamento ou cura. Se os sintomas persistirem, procurar o artista mais perto de você”.

Perfeito! Ainda mais quando a cura certamente viria nos próximos séculos com a pílula “to understand contemporary art”, que, aliás, já existe e, ao menos a que eu conheço, é produção de uma artista contemporânea canadense, cujo nome não recordo. Mas podem perguntar a Moa, ele conhece esse trabalho.