segunda-feira, dezembro 04, 2006

O Olinda Arte em Toda Parte e a Corte de Quinta
Clarissa Diniz


Na última quinta-feira, participando de um debate que, teoricamente, seria acerca da obra de determinado artista, eis que me percebo diante de uma discussão política e estética da arte que, fugindo ao tema inicialmente proposto, então se encontrava a debater sobre o Olinda Arte em Toda Parte.

No público, como quase sempre, artistas e estudantes de arte – praticamente todos ligados ao curso de Educação Artística/Artes Plásticas da UFPE e seu mundo de referências da dita arte contemporânea – discutiam o que para mim soava cada vez mais estranho: a validade (ou melhor, o “direito”) do evento empregar, em seu titulo, o termo arte.

A questão-chave da conversa se referia a que “tipo de arte” trata o evento, e a acusação mais contundente era aquela que afirmava que do Olinda Arte... não participam artistas, mas artesãos, e que, portanto, o evento estaria “desautorizado” a se auto-intitular artístico.

Senti-me diante de uma “corte” de artistas que, julgando-se dotada do poder de conferir o titulo de arte àquilo que reconhecem como tal, acreditavam-se, conseqüentemente, na plena condição de apontar quem teria o direito de “ostentá-lo” – e, de acordo com o juízo deles, certamente os artistas olindenses não o possuíam.

Ainda que não o tenham admitido objetivamente, pareceu-me bastante evidente que, para eles, assim como os profissionais que exercem determinada atividade sem a legalização especifica são considerados charlatões (em alguns casos, até mesmo criminosos), também os indivíduos que se denominam artistas (indicando, conseqüentemente, que aquilo que produzem é arte) sem, de acordo com seus pontos-de-vista, verdadeiramente o serem, são charlatões ou, para usar um termo por eles referido, “artistas de Olinda Arte...” – leia-se: oportunistas e comerciais.

Recém-saída de uma pesquisa sobre legitimação artística, não pude deixar de perceber, nas opiniões acima referidas, uma genuína conduta de autolegitimação cuja base está na desconsideração do outro. Apesar de, pessoalmente, considerar a maior parte de tal tipo de pensamento antiético e arrogante – além de desnecessariamente competitivo –, o que me interessa é ressaltar o quanto a maioria de nós, profissionais do circuito de arte contemporânea amplamente legitimado por instituições como museus, bienais e governos, sentimo-nos (erroneamente, creio) autorizados a monopolizar a arte – não só ocupando os principais espaços físicos e simbólicos a ela hoje destinados – como, inclusive, ousando reprimir aquilo ou aqueles que, segundo nossa visão, estejam fazendo uso indevido do termo arte.

O que claramente estava em jogo no debate da última quinta-feira não era nem mesmo uma discussão qualitativa acerca das obras expostas no evento em questão – o que considero sempre muito saudável – mas uma prepotente atitude de ataque que, em verdade, disfarçava um instinto (quase animal) de defesa que optava pelo cooperativismo como uma estratégia de proteção grupal diante de uma suposta “ameaça externa”.

Não sei se apenas por pretensão ou mesmo por ignorância, tal “corte” demonstrava desconhecer que o que legitima algo ou alguém como artístico é um complexo de relações sistêmicas e processuais que, funcionando de forma complementar e enfática, não concentra o veredicto final da condição de arte em um ponto especifico do processo (nem mesmo na famigerada história), não cabendo a eles, portanto, a autoridade de decidir se o Olinda Arte em Toda Parte envolve ou não “arte de verdade”. E mais: ainda que possam duvidar da qualidade de determinados artistas, acredito que os membros da “corte da/de quinta” não podem desdizer a certeza inicial daqueles que se dizem artistas (e produzem algo a que chamam arte), pois, inclusive para eles (os “cortesãos”), o passo primeiro na direção da legitimação artística tem sido um tipo de autoconsciência da condição de sê-lo: “sou artista”.

Por mais que possamos criticar a estrutura e a função sócio-cultural-etc. do Olinda Arte..., bem como a qualidade da maior parte dos trabalhos lá apresentados, não concordo com o fácil posicionamento que habitualmente encontramos, no nosso “circuitinho”, acerca dele: o de negá-lo a ponto de negar, também, a sua condição de arte.

Acredito que nós, “artistas contemporâneos”, precisamos fazer um uso mais sincero da “pluralidade” por nós tanto pregada, e exercitar, verdadeiramente, a tolerância cultural de que falam vários dos autores que nos têm inspirado. Se criamos uma bienal com o tema como viver juntos, e se buscamos construir nossa representação social através de bienais como essa última de São Paulo, imagino que urge que ao menos respeitemos nossos colegas de profissão, por mais que suas motivações possam nos ser estranhas.

Termino este texto na esperança de que, num próximo debate, passemos menos tempo atacando os outros como se, assim, fôssemos garantir nosso espaço, e mais tempo nos dedicando a aprofundar aquilo que, pelo visto, está em nós ainda muito inseguramente posto – a nossa arte.

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