sábado, setembro 16, 2006


Cinema Vertical
Ana Luisa Lima


Cinema por se tratar de projeções de vídeos em grande escala. Vertical pela direção e formato retangular longilíneo – quatro imagens postas - uma seguida da outra -, vindas de quatro projetores diversos. O cinema foi projetado na parede de um prédio situado na Conde da Boa Vista, uma das avenidas principais de Recife que leva o subúrbio ao centro e vice-versa.

O timeline era composto de vídeos distintos e contínuos. O grupo que idealizou e realizou o projeto afirmou não haver uma preocupação com o diálogo dos vídeos entre si. Mas que em certas ocasiões funcionava como tal. A maioria dos vídeos nos levava a um jogo de imagens abstratas em que se podiam perceber formas, cores, ritmos.

O belo espetáculo podia ser visto pelos passantes habituais – também os esporádicos e inéditos - imersos no burburinho daquela parte comercial da cidade; era só permitir-se mudar o olhar – para cima.

As quatro projeções se relacionavam aos pares – as duas primeiras: um, e as duas últimas: outro. O par era um recorte de uma mesma imagem – as duas projeções criavam uma imagem contínua – que poderia repetir-se, ou não, no par abaixo.

Alguns dos vídeos revelam-nos uma herança clara de Nam June Paik (considerado o pai do vídeo-arte). Cores que dançam, o ritmo. A câmera estática que registra o fluir efêmero de uma bolha de água. O vídeo em que aparece um rapaz de preto fazendo movimento de braços e pernas nos remete à dança contemporânea de Merce Cunningham – que já fez vídeo com Paik.

Um dos vídeos assistido com mais entusiasmo foi o que chamei a estética do fogo. O vídeo brincava com inúmeras possibilidades: vibração, cor, freqüência. Mais uma vez foi feito o uso da câmera estática. A primeira parte foi feita com uso do espelho. O reflexo simétrico da chama permitia a criação de imagens orgânicas de beleza singular.

Algumas dessas imagens – do fogo - foram manipuladas digitalmente; ora, eram transformadas em mosaicos, ora espirais que vibravam, ora uma pintura fluida azulada. Muitas possibilidades que partiam de uma única realidade: um pouco de algo em combustão.

Ainda houve vídeos que revelavam a estética da cidade. Um mostrava a rapidez, o trânsito, os automóveis, a paisagem urbana através de uma imagem colorida e que só dava para perceber silhuetas dessas coisas. Outro brincava com a simetria – outra vez, o espelho - de imagens feitas dos monumentos de cidades que não dava para identificar ao certo de onde eram. Outros vídeos sobre futebol, natureza e jogos de palavras completavam o repertório.

O que se pretendia não era uma narrativa, mas tão somente o prazer pleno do olhar. A preocupação era de que tanto os que paravam para assistir como os que passavam apressadamente andando pelas calçadas, e dentro dos ônibus, pudessem fruir daquele cinema inusitado.

O (im)previsto: problemas de configuração dos projetores e chuva: a frustração para os idealizadores. O Cinema Vertical[1] não se deu perfeitamente como o grupo havia programado. A configuração como estava alterou a coloração dos vídeos; a chuva danificou um dos projetores e o que era par tornou-se ímpar; modificou a proposta inicial, mas não maculou a beleza do que acontecia.

O prazer dos olhos[2]
. O Cinema Vertical é uma daquelas portas que convidam a qualquer um a adentrar no mundo inimaginável da arte contemporânea – por vezes tão rejeitada e temida. E por ter acontecido no início do SPA – Semana de Artes Visuais do Recife, era um aviso de que muitos outros prazeres estavam por vir.


¨¨¨¨¨¨¨


[1] O Cinema Vertical é um projeto do grupo TV Primavera.
[2] A prazer dos olhos é o título do livro de François Truffaut. Uma coletânea de artigos sobre cinema.

Um comentário:

Tv Primavera disse...

fala pessoal, valeu ai pelo texto!!
todo mundo do tv primavera agradece ai a participação de voces por la.

bom blog!