sábado, setembro 16, 2006


muito além de boas risadas
Clarissa Diniz


Nesse SPA 2006, o Carro da Cerveja de Maurício Castro apresentou a “performance” Gênese da Caipirinha Contemporânea, e representou, no evento, um “tipo” de arte (“tipo” como sinônimo de “modo de ser”) cada vez mais comum, acredito eu, na arte de Pernambuco.

Tenho tendido a chamar essa arte de GREA, mas que fique muito claro não se tratar de uma classificação, apenas de um “apelido carinhoso”.

A GREA, por si só, já é uma manifestação muito pernambucana. A expressão grea e o verbo grear, que, até onde eu sei, só existem mesmo por aqui, significam mais ou menos um estado de euforia geralmente caracterizado pela reunião de um grupo de pessoas que, em conjunto (de dois, pelo menos), “tiram onda” do mundo e das pessoas através de aguçado senso crítico, muita ironia, espontaneidade, liberdade, gargalhadas e falas homéricas. Muito além de “gozar” com alguma coisa, a grea é um momento de provocação genuíno, ligeiramente despretensioso e costumeiramente inteligente. É um estado criativo por definição, uma vez que é embasado em observação e comentários.

Uma arte de GREA não é sinônimo de uma arte lúdica ou de humor – longe disso, aliás –, mas é uma arte que conta, em sua lógica de produção, com características desse modo muito específico de se relacionar com o mundo, que, mais do que engraçado ou divertido, é provocativo. A grea é mesmo uma forma de existir, e há inclusive denominações como greeiro ou pessoa da grea para indicar esses modos de ser.

Creio que já há algumas décadas (talvez a partir de 1970), um número sempre crescente de artistas pernambucanos vem desenvolvendo trabalhos de arte inseridos nessa outra lógica de existência, e que, portanto, deve ser vista a partir de seus próprios parâmetros, pois têm, acreditem, seus próprios modelos. Imagino, contudo, que tenha sido o grupo Molusco Lama o maior responsável pela intensificação dessa GREA a que me refiro.

Eles, os Moluscos, não só faziam essa arte bem diferente da habitual como também viviam de um modo nada convencional. Como falei acima, uma arte de GREA está diretamente relacionada a um modo de ser. Entretanto, sua arte e seus comportamentos foram tomados como “porra-louquice” e logo foram estereotipadamente julgados, e, ainda que parte de seus instintos artísticos tenham sido mais egóicos do que propriamente estéticos, sua arte não foi observada seriamente, não foi “estudada”.

Todavia, não só muitos desses artistas continuam produzindo como foram, com o amadurecimento que é natural a todos, maturando também sua produção. O que hoje vemos é uma arte de GREA cada vez mais rebuscada e repleta de peculiaridades que merecem muita atenção por parte do público e da crítica. Mais adiante, percebo que está surgindo já uma outra geração de artistas que, influenciados pelas ações do Moluscos, da Equipe Daniel & Santiago, do Grupo Submarino, do Grupo Mamãe, entre alguns outros, tomam características como a sagacidade, a capacidade de improviso, o esbanjamento formal, a quase ausência de limites entre arte e vida, a paródia, etc., como parte primeira de seus trabalhos, e lhe dão formas cada vez mais interessantes – e aprofundadas.

Precisamos aguçar nossos sentidos para tratar com tal GREA. Peço, e é isso que venho tentando fazer nos últimos tempos, que saibamos relativizar nossos paradigmas de arte, e mais: que nos esforcemos para olhar a GREA a partir dela mesma, a partir de seus paradigmas próprios, sem, portanto, tomar como modelo de análise, para a arte a que me refiro, a produção contemporânea que vem sendo oficializada pelo circuito nacional e internacional de arte.

Sei que esse não é um exercício simples. Já percebi que, para flexibilizarmos nossos referenciais, é preciso transformar a nós mesmos, o que talvez signifique, nesse caso, incorporar um pouco do espírito greeiro, mas sei também, por outro lado, que é fácil demais escantear algo por imediatamente o julgarmos “louco”.

Não sei como isso se dá com os outros, mas eu, pessoalmente, desconfio de tudo o que, em arte, soa fácil, como também desconfio de tudo o que, numa sociedade, é colocado à margem por ser entendido como “loucura”, ou, para usar a expressão lugar-comum de se ouvir em relação à GREA, como “porra-louquice”.

3 comentários:

Anônimo disse...

bem, dentro desse saco de grea me parece que pode ir de tudo... tudo que for feito por pessoas, amigos (?) que de alguma forma trabalham em conjunto, em algum estado de consciencia alterada (tem q ter drogas?) que provoque uma ironia e/ou satira ou
(poderia ser puramente comico?) e tem a expontaneidade como palco? nao sei, me parece conteudo de texto para uma arte que nao consegue alcançar o seu extase, a sua beleza. "eh gente, eh arte mas eh arte de greia (entendam...)" e por ai vai... toda vida existiu gente produzindo doidao e com amigos e em festas e fazendo historias "on the flow" e tal... e sempre existiram genios, ateh ligados diretamente a drogas, mas nunca tendo seu trabalho colocado na categoria de "artistas doidoes"...
nao penso ser uma boa ideia esta de tentar criar esse tipo de sub-classificacao de arte. acho nociva e legitimadora de toda e qualquer pilantragem que estejam querendo nos empurrar a dentro como arte. eh como se, do nada, a unica coisa preciso para a pessoa se tornar artista fosse ter um amigo artista (se tiver varios melhor ainda!) dai pronto juntam vario e bolam algo "sei lah, uma coisa assim, bem doida e louca e tal, bora po, vaai ser massa, e pah... soh de greia mesmo..." ai, junta-se um elemento chave : a brodagem... ai os amigos todos se ajudam e fazem a historia acontecer. ai, vao nos empurrando varias... arte descompromissada tem a ver com greia? me parece que sim. por incrivel que pareça ainda existe gente fazendo arte compromissada... seja com a inteligencia alheia; com o olhar do outro; com o tempo dos outros e com, principalmente, com o belo. a sub-classificaçao eh injusta com aquele que estah dizendo algo e o faz de forma coletiva. o publico, coitado, tende a calar a boca pois o embasamento formal artistico existe e no seu intimo cada um se pergunta "o que diabos sei eu sobre arte?" ai pronto, fica por isso mesmo... tudo na base do conceitual e nada pratico de belo. ai a gente tem que assistir a um sketch que resulta em um barzinho movel... e engolir varias caipirinhas pela bagatela de 2 reais. ja que eh pra ganhar dinheiro, façam direito! nao se vendam por tao pouco... ai dizem que foi uma performance... e foi mesmo, dentro desse balai de gato de greia foi mesmo...

Anônimo disse...

olha só Anonymous, qualquer categoria de arte esta sugeita a pilantragem. E qualquer arte tb está vulnerável a ser benquista ou não. Vale saber quem faz, como faz e porque faz. Isso ajuda um pouco a não descartar essas manifestações de GREA a primeira vista.

Anônimo disse...

Pelo Preconceito Amplo, Geral e Irrestrito

Preconceito é a melhor forma de se ganhar tempo: vc tá andando por uma rua mal-iluminada, na madrugada e vê um negão de 2 metros de altura por 2 de largura. Provavelmente, e exemplar cidadão que vc é, pensa que é mais um oprimido pela sociedade capitalista burguesa que está apenas apoiando, no muro, um pé cansando. Solidário e confiante nas boas intenções da raça humana, segue em frente e em resposta ao boa noite escuta um - "aí, mané, vai passando a carteira!"
Eu acho é pouco! O preconceito te salvaria e ser um bom "preconceitista" é uma arte que exige grande dedicação, esforço e considerável envergadura moral!
Sendo a GREA é um arremedo - muito chinfrim por sinal - de arte e uma desculpa pra qualquer tipo de porcaria, por quê sequer considerar meu tempo em dar-lhe algum imerecido tipo de chance?
Viva o Preconceito! Abaixo a GREA!